00:00:00 (music) 00:00:17 ALVES: Queriam que eu resumisse, quem é Rubem Alves? Eu pensei no epitáfio. Lembrei-me do epitáfio que Robert Frost escolheu para ele mesmo, achei tão bonito. Ele teve um caso de amor com a vida. Então é isso, eu tive um causa de amor com a vida. 00:00:37 (music) 00:00:48 ALVES: Eu estava vivendo minha vida, viajando feito um louco. Fazendo viagens longas de carros, avião. Eu notei que minhas pernas estavam fracas. Me levaram numa medica [aqui em Ceara?] era grande especialista nesse assunto. E ela deu os examens e confirmou. Meu choque. O Mario Quintana tem um 00:01:18 versinho ali que ele fala sobre o que que ele espere da velhice. Ele dizia, eu quero uma velhice confortável. Com Parkinsons eu não posso ter uma velhice confortável. E venho insegurança. Segurança física, e -- insegurança espiritual. Insegurança física é medos de cair. Espiritual, medo de me faltar as palavras. 00:01:49 UNIDENTIFIED SPEAKER 1: Hoje é o dia internacional da alfabetização. 00:01:52 UNIDENTIFIED SPEAKER 2: Quem vem aqui hoje a falar disso e de muitas outras coisas do género -- 00:01:55 W1: Um mineiro de boa esperança, pedagogo, filósofo, teólogo, psicanalista -- 00:02:01 UNIDENTIFIED SPEAKER 2: -- pelo jeito anarquista no exímio provocador -- 00:02:05 W1: -- educador, cronista, contador de historias, e escritor apaixonado pela literatura. 00:02:11 UNIDENTIFIED SPEAKER 2: -- professor emérito da UNICAMP. 00:02:12 W2: Mais acima de tudo ele pode ser considerado um grande defensor das crianças, daquilo que eles gostariam de aprender na escola. 00:02:19 UNIDENTIFIED SPEAKER 2: Eu embate que o nosso provocador mantém contra as ideias retrógradas que atrapalham educação e a cultura desse país. 00:02:28 UNIDENTIFIED SPEAKER 1: A muito anos tem se colocado no centro desse debate, sobre ensino no brasil. E tornou-se uma referencia na busca de mudanças na forma e no conteúdo de ensino brasileiro. 00:02:38 UNIDENTIFIED SPEAKER 3: E assim mesmo, professor Rubem Alves. Vem para cá! 00:02:43 (music) 00:03:09 UNIDENTIFIED SPEAKER 3: Rubem, mais uma vez muito obrigado pela sua presença. 00:03:13 UNIDENTIFIED SPEAKER 2: Daqui um abraço que é a única coisa falsa desse programa é o abraço. 00:03:17 ALVES: Porquê que a -- 00:03:17 UNIDENTIFIED SPEAKER 2: É a única coisa falsa porque [sou um?] gordão. 00:03:20 (music) 00:03:29 ALVES: Nasci em Minas. O meu corpo está cheio de memórias de infância. Entre os prazeres da cozinha mineira, estava o frango com quiabo. Se comia com angu e pimenta. Eu nasci na mesma cidade onde nasceu Nelson Freire, que disse alguns -- eu concordo -- é o maior pianista vivo 00:03:59 da atualidade. 00:04:01 (music) 00:04:14 ALVES: Meu pai era um homem muito rico. Mas a -- a riqueza do meu pai...era riqueza de -- antes de eu nascer. Eu não conheci meu pai rico. Ele era rico, era dono de muita coisa, ele era exportador de café. Ai veio a crise da bolsa -- eu acho que foi 1929. Meu pai perdeu tudo. 00:04:44 E foi essa riqueza e nos tivemos que morar na [Roça?]. As primeiras memórias que eu tem de minha infância são memórias -- da Roça. Casa de pau a pique. Sempre [varrada?]. De uma pobreza 00:05:14 -- os ratos passeando la em cima. Aquele cheiro de kerosene porque a luz não tinha electricidade, [uma?] luz era -- um lampião. Meu pai tinha um defeito. O defeito dele era o seguinte. Ele achava tudo bom. O [dia se?] situação mais desgraçada, ele descobria um jeito de fazer aquela coisa, ficar boa, mas ele tinha um problema, ele estava pobre. 00:05:44 E não tinha dinheiro para mandar os filhos para a escola. Aí o missionário foi ate ele, ofereceu bolsas para [Instituto Gamo?], que era a escola de [Lavras?]. Então nos estamos ligados ao protestantismo não por conversão, mas por -- por esperteza, né? 00:06:14 (music) 00:06:23 ALVES: Aí meu pai resolveu que nos íamos mudar para Rio de Janeiro. Eu achei bom na [milhão?] de viagem, de trem. E foi para Rio de Janeiro e meu pai [ja estava?] bom de vida, ele me colocou nas escolas mais caros do Rio. Colégio [Andrews?]. Aí foi experiencia dura. Eu passei a ser objeto de [chacota?]. Que eu falava "carne." "Mar." 00:06:53 Todo mundo ria de mim. E mais doque isso, meus [os custos?] -- por exemplo, eu não -- lá em minas, eu andava descalço. No Rio de Janeiro tem que andar com meia, meia e sapato, me lembro do primeiro dia que eu foi -- foi ao colégio, eu foi com sapato sem meia. E me tornou o alvo da [caçoada?] geral. O tempo que eu passei no Rio 00:07:23 de Janeiro foi um tempo de sofrimento. Eu nunca tive um amigo. Foi aí então nessa ocasião que me vem a ideia de ser pianista. 00:07:38 (music) 00:07:48 ALVES: Morava na Praia de Botafogo, ia de [Bonde?] no colégio. E tinha os posters la. Os [outdoors?]. Só com uma palavra. [Brailowsky?]. [Cheguei?] em casa e perguntei mãe, "mãe, quê que é Bre-lo-vi-ski?" Ela diz, "Brelovisk? Não é Brelovisk, é Brailowsky, um dos maiores pianistas do mundo." 00:08:13 (music) 00:08:24 ALVES: Não sei como é que eu [arranjei?] dinheiro, sei que eu fui na galeria do Teatro Municipal, la em cima. Quando eu vi aquele cara tocando piano, eu [vi?] duas peças [que eu?] -- eu não me esqueço. [Rondo Capricciosa?] de Mendelssohn, e a Sonata numero três de Chopin. 00:08:47 (music) 00:08:48 [Quiv?], está na minha cabeça. 00:08:49 (music) 00:08:54 ALVES: Pra mim, é a fantasia de ultrapassar humilhação. (inaudible) estar no palco, recebendo -- fantástico, ele tocou. E se eu -- se eu estivesse no palco, todas as humilhações seriam jogadas fora, né? Então eu fiquei -- o que eu podia, e fiquei -- com a ideia na cabeça de eu -- eu podia ser pianista. Só que 00:09:24 eu não sabía das coisas de deus. 00:09:29 (music) 00:09:37 ALVES: Eu estava no Rio de Janeiro, eu não sabía do Nelson Freire ainda estava no Rio de Janeiro. Eu estava doido estudando -- estava com Brailowsky na cabeça. Estava lá estudando Sonata Patética. Estava [alando?] o piano. Aí eram as duas da tarde, eu estava tocando -- estudando. Toca campainha. Eu vou abrir a porta, na porta estava uma senhora com um menininho. O menininho cumprimentou ninguém, foi entrando 00:10:07 pela casa adentro, chegou na sala, viu aquele piano aberto com uma partitura -- ele não teve dúvidas, caminhou até piano, sentou-se ao piano e tocou. Nelson Freire. Nunca tinha se ensinado nada para ele. De onde veio, de onde veio a -- a sabedoria de piano dele? Como é que isso acontece? [Esse?] ele tinha três anos, com 00:10:37 quatro anos ele deu o primeiro concerto. Aí eu compreendi que existe diferença, Deus protege uns e não protege outros. Mas era preferível que eu fosse um -- que eu não fosse pianista. E que pudesse escrever, né? Não me deu, Deus não me deu o privilégio tocar piano, mas me ajudou um pouquinho para ser um escritor. 00:11:07 Quero ouvir musica! Aquelas que fazem parte de minha alma. Pois a alma no seu lugar mas fundo, está cheio de música. Nelson Freire. 00:11:22 (music) 00:11:33 ALVES: Ele tem filtro nos dedos. Os pianistas que tem um [arpelo?] nos dedos. Outros tem filtro. 00:11:44 (music) 00:12:18 ALVES: No colégio, eu vivi uma grande solidão. A igreja foi um lugar onde eu não me sentia solitário. É uma comunidade. E quando você tem uma comunidade, pois se acredita. Que faz a gente acreditar? Acreditar é quanta coisa absurda! 00:12:46 (music) 00:13:02 ALVES: Um dia me deu na cabeça essa iluminação. Porque eu -- para Protestantes e Católicos, a Bíblia é palavra de Deus. É Deus que inspiro aquilo. Mas um dia eu pensei -- mas, como que eles juntaram os livros da Bíblia? Porque a gente achava que os livros tinha sido magicamente coleccionados. Aí eu percebi que eram congressos que -- congressos religiosos que selecionaram os 00:13:32 livros então eles não tinha nada de sagrado. Foram os homens que escolheram aqueles livros. Acreditei -- de repente, de repente -- [paf?]. Cabeça abriu. Eu fiquei tão horrorizado com a mediocridade, que eu perdi a fe. Eu nunca ouvi de nenhuma pessoa que vai fazer uma promessa a Deus 00:14:02 , promessa para receber uma coisa de [volta?]. Nunca viu uma pessoa que prometesse uma coisa boa para Deus. Pois [eu?] prometo que eu vou escutar a [Martha Argerich?] tocando Mozart. Prometo que vou tomar um copo de whisky todo dia. Prometo que vou tentar transar duas vezes por semana, por resta da minha vida. Coisas boas. Quê que a gente 00:14:32 promete para Deus? [Casca diferida?]. Prometo subir os quatrocentos degraus de escada, da escada de igreja, de joelhos. Prometo não beber coca-cola durante seis meses. A gente só -- é como se Deus fica assim babando de prazer ao saber dos sofrimentos. Deus tem prazer, "[ah?], como está sofrendo 00:15:02 , como está sofrendo." 00:15:06 (music) 00:15:12 ALVES: Grande parte dos religiões é baseada nessa proibição de pensar. Não é permitido pensar. 00:15:22 (music) 00:15:30 ALVES: Eu morava em Lavras, a periferia de Lavras, as pessoas mas sofridas que você pode imaginar. Não tinha ninguém para atender a essas pessoas. Então, eu preguei para mudar cabeça dos membros da igreja. Muita gente mudou a cabeça, começou a pensar coisas diferentes, então em vez de ficar pensando no céu as pessoas começaram a ter consciência de que era preciso amar as pessoas que estavam sofrendo. 00:16:00 De repente, os [céus?] da religião me apressarem infinitamente chatos. Como pastor de uma comunidade protestante no interior de Minas, entreguei meu cuidado dos pobres sem jamais pensar em converter-os. Nessa ocasião, o Brasil estava fervilhando de movimentos 00:16:30 políticos. E houve uma mudança na nossa cabeça da geração nova. Antes, a gente queria salvar as almas do inferno, para ir para o céu. Agora que nos não acreditamos nem no inferno nem no céu, nossa missão era salvar o Brasil. Era transformar o Brasil, então nossa fê metafísica se transformou 00:17:00 numa fê política, da engajamento, especialmente a juventude da igreja católica, da igreja protestante, se ligarem com os movimentos entre aspas, revolucionários. Então a transcendência que estava no céu passou a transcendência que está no futuro. Aí, eu crie conflito com o resto da igreja. Eu e um grupo. 00:17:30 Todo mundo era conservador e nos eram diferentes. Então começou por parte da igreja um movimento para liquidar gente. Foi pastor protestante. É provável que se tudo se tivesse acontecido nos conformes, eu hoje fosse um clérigo velho. 00:18:00 Más veio o golpe militar. Fui acusado de subversivo pelas zelosas e bondosas autoridades da igreja. 00:18:11 (music) 00:18:19 ALVES: Tinha terminado todos minhas obrigações académicas, estava livre, que eu trabalhei feito um louco, eu estava com muito [saudades?], queria voltar para o Brasil. Então eu tirei um dia para passear downtown, la na Times Square, e fiquei la vagabundando, andando por aqui, andando para ali, aí foi voltar para ir para meu apartamento e peguei o metrô. Sentei e olhei para frente do outro lado do vagão. E eu fiquei congelado 00:18:49 a hora que eu vi o manchete. "Revolution in Brazil." Aí começou o mês de mais medo que eu tive. 00:19:04 (music) 00:19:26 ALVES: Eu fiquei com muito medo de chegar no Rio de Janeiro, que la eu ia ser preso. As pessoas desapareciam. Então inventei um viagem complicada para chegar direito em Campinas. E um amigo foi a me pegar no aeroporto, e ele me disse logo. Logo de saída. Há duas acusações contra você e mais cinco pastores. 00:19:51 (music) 00:20:11 ALVES: Aí foi um -- dois anos de aflição, tentando de descobrir -- tentando não ser preso. Eu descobri que me -- quem me denuncio. Foi um dos maiores amigos meus. Ele era da [CIA?]. E era favorável as reformas revolucionarias, não sei o que 00:20:41 la. Aí me desliguei da igreja. 00:20:44 (music) 00:20:59 ALVES: Aí de antes dos Estados Unidos me arranjaram a bolsa para fazer o doutoradomento, que tinha feito antes em Nova Iorque eu fiz mestrado. Aí me deram bolsa para fazer doutoramento. Eu fui para Princeton. E foi lá que eu escrevi o livro Teologia de Libertação, foi nesse período. 00:21:19 (music) 00:21:29 ALVES: Minha tésis doutoramento, o nome era "O Sentido de uma Teologia de Libertação." Esse era o título. Então, eu tenha o prioridade do título. Más aí aconteceu o seguinte. Eu mandei a minha tésis para uma editora, editora gostou da tésis, queria publicar tésis. Más disse, libertação -- a moda naquele tempo era teologia da esperança. Era um 00:21:59 alemão, [Moltmann?], [Jürgen?] Moltmann. Más aí editora falou, vamos colocar o seu livro no [caudado?] da teologia da esperança. Então ficou chamado "Teologia de Esperança." Mas originalmente era teologia da libertação. Eu estava em Oxford, fui lá dar uma conferencia. E fiquei amigo lá dos 00:22:30 teólogos la de Oxford. E um dia ele chegou para mim, diz "como é que estão os preparativos para o congresso de teologia em janeiro?" Eu não sabía de nada. O congresso era-se em São Paulo, eu não sabía. Eu fiquei do maior vergonha porque eles em Oxford sabiam e eu não sabía. Aí eu cheguei ao Brasil, foi fazer meus [escarafunchaçoes?]. 00:22:59 E descobriu que meu nome tinha sido vetado pelo [Frei Betto?]. Ele não admitia que protestante tivesse prioridade na teologia. Ele escreveu numa reportagem no [Pasquí?], que a minha teologia não prestava porque, por duas razões. Uma delas 00:23:29 é que eu não era marxista. E a outra -- ah! A outra que eu tinha escrito minha tésis nos estados unidos. Eu então mandei dizer para ele que lembra-se que Marx escreveu o Capital em Londres. 00:23:47 (music) 00:23:56 ALVES: Paul Singer chegou lá em Princeton, ele não sabía das coisas lá, onde comprar móveis usados. Eu sabía, botei o Paul no meu carro, com a mulher dele, a [Melanie?], e nos fomos la para cidade chamada Trenton. Ficamos amigos. Quando ele voltou para o Brasil, eu cheguei para Brasil, não tinha emprego, estava sem emprego, um dia me toca o telefone, o Paul dizendo, "você se interessaria ser professor na cidade [Rio Claro?]?" 00:24:26 É uma cidade no interior. Qualquer coisa! Então ele me encaminhou para Rio Claro e aí eu entrei para uma universidade. Depois de Rio Claro eu fui para UNICAMP. Vivi muito tempo no mundo acadêmico. O mundo acadêmico é um lugar perigoso. Dá medo. É muito difícil viver na universidade e continuar a cultivar os próprios pensamentos. É muito 00:24:56 mais seguro ficar [moendo?] os pensamentos dos outros. 00:25:00 (music) 00:25:08 ALVES: Eu fiquei conhecendo Paulo Freire no México. Havia um instituto la, Cuernavaca se eu não me engano, um senhor [Ilich?], eu fui para dar um curso, Paulo Freire foi para dar um curso, eu não conheci o Paulo, não nos conhecíamos. Mas aconteceu uma coisa [gozada?] que os alunos começaram procurar, procurar o Paulo, perguntando se nos havíamos preparado juntos as nossas aulas. Porque ele falava uma coisa, eu 00:25:38 respondia. Sabe? Ficou -- sem que a gente tivesse planejado nada, a gente estava num diálogo, falando juntos. Há escolas que são [gaiolas?]. Há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas, existem para os pássaros desaprendam o arte de vôo. Pássaros engaiolados, são pássaros sob controle. Deixaram de ser 00:26:08 pássaros porque a essência dos pássaros, é o vôo. Eu acho que o objetivo da escola, um deles é desenvolver a inteligência. Não é ter respostas. É desenvolver inteligência. E para ajudar as pessoas a pensar sobre inteligência, eu digo que inteligência é igualzinho ao pênis. É isso mesmo, pênis. 00:26:38 Pênis é um órgão escritor -- excretor, flácido, ridículo, depressivo, tá sempre olhando para o chão. Mais se for provocado, ele sofre transformações hidráulicas extraordinárias e assume a forma de um foguete intercontinental. Explode -- porque é capaz de dar vida, capaz de dar prazer. 00:27:08 A inteligência -- aí você fala a mesma coisa da inteligência porque -- diz -- não é [inteligênio?], não é aquele aluno inteligente. É que o professor ou a professora não fez o trabalho de excitar esse órgão que se chama inteligência. 00:27:27 (music) 00:27:37 ALVES: O problema para mim da escola é que ela não está ligada com os problemas que são vivenciados no dia a dia pelas crianças e pelos adolescentes. Se pode imaginar você, um adolescente de quinze anos, e você ter -- de periferia, no meio de drogas e tudo mais. E você tem que aprender análises sintática. 00:28:07 O quê que você faz com análises sintática? Eu acho que só existe um jeito de aprender a língua. É o -- não é nem lendo, é ouvindo leitura. Não basta ler, porque freqüentemente os alunos não sabem ler. Como é que você fica gostando de Mozart? 00:28:37 Ouvindo Mozart. Não é fazendo uma dissertação sobre a música de Mozart. Você tem que ouvir. A tradição da escola é a tradição da violência, de autoritarismo, dos grandes contra os pequenos. Eu ja fiz essa brincadeira, eu quero criar um novo tipo de professor. [Você?] espanta. Os gregos pensavam 00:29:07 que o pensamento surge quando você olhando para uma coisa o você fica espantado. "Mais como? Mais como?" Esse "mais como", a interrogação, você não está entendendo, então você pensa para entender. Então a função desse professor seria função de espantar. 00:29:37 Objetos da feira da [fruição?] inúteis. Canto gregoriano. Um pôr de sol. O cheiro de orégano. Perfume de jasmins. Uma sonata de Mozart. Um poema de Fernando Pessoa. A constelação Orion. Não servem para nada, não são ferramentas. Porquê os-amamos? Porque nos dão prazer e alegria. 00:30:07 Santo Augustinho escreveu um tratado em que ele dizia que "todas as coisas no universo se dividem em duas classes. Coisas para ser usadas, e coisas para serem usufruídas." Brinquedo [servem?] para nada. Brinquedo inútil. Você não pode fazer nada com brinquedo. Se você não pode fazer nada com brinquedo, 00:30:37 porquê que a gente quer brinquedo? Porquê o brinquedo nos dá prazer? Servir, quer dizer usar. Ser usado. Não é para ser usado, é para ser usufruído. 00:30:55 (music) 00:31:02 ALVES: Mais nas nossas escolas não há desenvolvimento da sensibilidade. Por exemplo, não há poesia pelo prazer de poesia. Você leia a poesia para depois fazer interpretação, para fazer fichamento, para fazer não sei o que -- mais não é o puro gozo, não vai cair na prova, não tem que saber [isso de cor?] -- é o puro gozo. Essa ideia estranha a nossa filosofia 00:31:32 de educação. Um beijo. Um beijo é totalmente inútil. Então porque gastar saliva, tomar risco de um resfriado, de uma gripe? Porque é bom. Bom. 00:31:51 (music) 00:32:00 ALVES: O mundo universitário que me acercava me amedrontava. Por prudência, optei pelo silêncio. Aí, de repente, uma criança entrou na minha vida. Tardiamente. Uma filha [temporanea?]. Foi ela que me fez ter coragem. Eu escrevi muita coisa inspirado pela Raquel. Ela nasceu com um defeito facial 00:32:30 , [fenda?] labial. Sendo diferente ela sentia diferente -- ela tinha de lidar o tempo tudo com o olhar das outras pessoas. Porque o sofrimento das pessoas não é por causa de coisa mesmo, é por causa de olhar das outras pessoas. O olhar é -- os olhos são órgãos muito cruéis. O jeito de olhar. 00:33:00 Então é como se eu tivesse o tempo tudo escrevendo para colocar beleza no sofrimento. 00:33:12 (music) 00:33:27 ALVES: [Nietzsche?] dizia que ele só amava os livros que eram escritos com sangue. Então você tem que fazer pergunta [é comido com?] sangue -- você tem que descobrir, qual é o texto? Como é que você sabe que um texto é escrito com sangue? Você sabe que um texto Emily Dickinson, uma poeta norte-americana que nunca saiu da cidadezinha dela, 00:33:57 ela escrevendo [para um?] amigo disse: Quando eu leio um texto, eu fico fria com que nenhuma lareira pode me [aquecer?], eu sei que aquilo lá é poesia, eu sei que aquilo é poesia. Se eu tenho sensação de que arrancar o topo da minha cabeça, eu sei que aquilo é poesia. Então, a Emily Dickinson entende o poético não é por rima, não é por métrica, não era -- poética 00:34:27 é aquela palavra que tem uma lição com a carne, o verbo que fez carne. Então eu escrevo alguma coisa que é -- aí as pessoas se comovem. Para isso caminhamos a vida inteira / para chegar ao lugar de onde partimos. / E quando chegamos, é a surpresa. / É como se nunca tivéssemos 00:34:57 visto. / Agora, ao final de nossas andanças, nossos olhos são outros / olhos de velhice. Olhos de saudade. E na velhice, a gente vai ficando com medo de ficar sozinho. Eu preciso conversar que eu tenho medo de velhice. Um amigo meu 00:35:27 -- para ter ideia, estava com 92 anos. Sofrendo dores horríveis. Ele foi ao medico e disse, "será que o senhor não pode aumentar o dose de morfina?" O medico olhou para ele. "O senhor está me sugerindo que eu faça eutanásia?" 00:35:57 Quero dizer que ele medico estava tentando preservar a sua pureza teológica. Eu não praticarei eutanásia. Mais aquele homem que estava sofrendo, aquele homem que estava sofrendo, ele precisava -- sabe? Quando a dor é muita... Quando a dor é muita -- você veio um ser humano querido, a gente faz isso com cachorro 00:36:27 . Eu ja levei tantos cachorros meus para as -- irem para o céu dos cachorros no veterinário. A gente ama o cachorro, por isso a gente leve o cachorro para o veterinário, para tomar uma injeção. Então eu acho que as certas situações que a gente tem o direito, o direito -- isso é um direito -- eu tenho direito de escolher se eu vivo 00:36:57 ou se eu não vivo. 00:37:06 (music) 00:37:42 ALVES: Esse lugar aqui é mais o menos ele é meio sagrado para mim. Eu já disse, quando eu morrer, eu quero que minhas [cinzas?] sejam colocadas aqui. 00:37:51 (music) 00:38:09 ALVES: Esse lugar tá muito ligado a minha vida. Eu caminhei muito aqui. Mais agora quando eu volto, é diferente, né? Um conselho: se você amou muito um lugar, não faz essa besteira de visitar-lo. 00:38:40 Porque você vai visitar pensando que você vai encontrar o tempo, mais o tempo não está mais lá. É melhor você ficando com o imagem lá na sua cabeça. Eu não pertenço a esse lugar, esse lugar não me pertence mais. 00:38:57 (music) 00:39:10 ALVES: Por enquanto eu estou ruminando essa mal de Parkinsons. Está enchendo a minha cabeça. Não sobra um lugar para brincar. 00:39:21 (music) 00:40:09 UNIDENTIFIED SPEAKER 4: O nosso querido escritor Rubem Alves, ele perdeu os movimentos finos da mão. Então por essa razão, ele não vai autografar os livros. Nosso querido Rubem Alves, a plateia é sua. 00:40:30 ALVES: Considerei muito a possibilidade de não vir falar com vocês. Eu não sabía se eu iria dar conta. Aí, uns amigos insistindo comigo, sabendo que -- vocês gostam de mim, né? 00:41:00 Depois de meses de silêncio, essa é a primeira vez que eu juntei coragem para conversar com vocês. E estou fazendo o que nunca fiz. Estou lendo o que vou dizer. Não ler só -- mais o menos, leio e [conteado?]. Não sei que peças o mal de Parkinsons vai me pregar. 00:41:30 Mais confio que se eu escorregar vocês me perdoarão. Obrigado. 00:41:40 [text unavailable] 00:42:03 (music) 00:42:11 ALVES: Não desejo que vocês simplesmente entenda o que escrevo. Entender é um ato racional. O que eu desejo e que meus textos sejam comido antropofágicamente. Quero que vocês sintam o meu gosto, desejo que os meus leitores ao lerem meus textos, fiquem com os olhos semelhantes a os meus. Assim, eles verão o mundo dar forma 00:42:41 como eu vejo. E essas palavras se tornaram então desnecessárias. 00:42:46 (music)